segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Espaço litúrgico não é um palco ou sala de concerto

Espaço litúrgico não é um palco ou sala de concerto

Entrevista com D. Joviano de Lima Júnior, presidente da Comissão para a Liturgia da CNBB

Por Alexandre Ribeiro

 

RIBEIRÃO PRETO, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008 (ZENIT.org).

«Quando a celebração litúrgica se transforma num espetáculo ou concerto, perde a sua razão de ser», afirma o presidente da Comissão para a Liturgia da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

 

Nesta entrevista a Zenit, Dom Joviano de Lima Júnior, SSS, arcebispo de Ribeirão Preto (São Paulo), fala sobre os cuidados e a riqueza da Liturgia.

 

– «Qualquer celebração litúrgica é, por ser obra de Cristo sacerdote e do seu Corpo que é a Igreja, ação sagrada por excelência, cuja eficácia, com o mesmo título e no mesmo grau, não é igualada por nenhuma outra ação da Igreja» (SC, 7). Como o senhor vê o protagonismo advogado por muitos sacerdotes e também por leigos, cada um dentro de suas atribuições, na celebração da Eucaristia? Nunca se pode banalizar o fato de que Cristo é o protagonista, não?

 

–Dom Joviano: De fato, o número sete da Constituição sobre a Sagrada Liturgia menciona as diversas presenças de Cristo e como Ele atua nesta "grandiosa obra", na qual "sempre associa a si a Igreja.". A Liturgia é a ação de Deus com o seu povo. É a irrupção do mistério no tempo simbolizado. Na ação litúrgica, a Trindade é glorificada e a humanidade santificada. É da genuína natureza da Liturgia a plena participação da assembléia, engajando mente,  coração e o corpo das pessoas. Mas para que essa participação seja plena é preciso que seja orante e o silêncio devidamente valorizado. Quando a celebração litúrgica se transforma num espetáculo ou concerto, perde a sua razão de ser. O espaço litúrgico não é um palco ou sala de concerto. Daí a grande responsabilidade dos meios televisivos católicos, ao transmitir uma ação litúrgica. 

O protagonismo nos remete à arte de celebrar, ao exercício do sacerdócio ministerial dos ministros ordenados e do sacerdócio comum do povo de Deus. Participar é celebrar e celebrar é participar. Quem preside deve estar consciente da centralidade de Jesus Cristo e da importância dos diversos ministérios. O exercício dos ministérios não é uma mera questão de funcionalidade, mas de visão de Igreja como Corpo de Cristo, animado pelo Espírito. Na Igreja escola e casa de comunhão, o Espírito distribui carismas e dons para o bem de todos. Na Liturgia celebrada, temos a mais expressiva visibilidade da Igreja povo de Deus. 

 

–É comum na Agência Zenit recebermos mensagem dos leitores alertando para o descuidado com a liturgia, com sua beleza e importância. Isso também tem preocupado o senhor?

 

–Dom Joviano: Sim, muito. Os últimos documentos do magistério nos alertam e nos encorajam a promover uma autêntica formação contínua e a bem celebrar os santos mistérios, garantindo uma participação ativa, consciente e frutuosa dos fiéis, impregnada da beleza, como expressão do mistério de Deus. Os abusos e as deformações precisam ser corrigidos. A partir da nossa Comissão Nacional para a Liturgia, estimulamos a integração dos três setores da pastoral litúrgica, o espaço, a música e a ação ritual. Será uma maneira de se evitar celebrações áridas, sem vida, rotineiras. E não perdermos a dimensão estética, ritual, simbólico-sacramental da divina Liturgia. 

 

–O senhor tem percebido descuidos com a beleza da liturgia?

 

–Dom Joviano: Em toda atividade eclesial há pessoas dedicadas e comprometidas e pessoas descuidadas e desleixadas. É preciso entrar no dinamismo da Páscoa de Cristo. Somente uma iniciação ao mistério, a mistagogia, é que se poderá reverter este quadro. A ação litúrgica bem celebrada ajuda as pessoas a recuperar o sentido e a beleza da vida, o gosto pela oração... A beleza cativa, educa e nos eleva. Ajuda-nos a mergulhar na realidade invisível do mistério.

 

–Diante da importância da liturgia na vida da Igreja, que cuidados os sacerdotes devem ter na preparação de suas homilias?

 

–Dom Joviano: Em primeiro lugar, não devem se esquecer de que são ouvintes e servidores da Palavra, se quiserem comunicar e ensinar.  A homilia é parte integrante da celebração litúrgica. Os ministros da Palavra devem ter um duplo olhar. Um olhar na Escritura e outro nos ouvintes da Palavra. O olhar na Escritura começa com a leitura orante da Palavra. O outro olhar leva em consideração a realidade das pessoas. Torna-se se cada vez mais freqüente a preparação comunitária da homilia. Há padres que se reúnem, semanalmente, com seus colegas para preparem juntos a homilia. Alguns párocos meditarem a Palavra e prepararem a homilia dominical, com suas equipes de Liturgia.

 

–E a questão dos cantos? Muitas vezes não se tem o cuidado com a beleza dos cantos. Como melhorar este ponto?

 

–Dom Joviano: Cantar a Liturgia e não cantar na Liturgia. Essa deve ser a constante preocupação da pastoral litúrgica. O canto litúrgico acompanha o rito. Segue o tempo litúrgico. Não  é um enfeite, mas oração cantada. 

 

–Com o Motu Proprio «Summorum Pontificum», Bento XVI permite a utilização do Missal Romano anterior à reforma litúrgica de 1970, Missal este promulgado por São Pio V e editado novamente pelo beato João XXIII (em 1962, quando a Missa era celebrada em latim). Tem sido alentada nas dioceses brasileiras a utilização deste Missal como forma extraordinária da celebração litúrgica?

 

–Dom Joviano: O Santo Padre concedeu aos tradicionalistas que, em geral, sentem dificuldade em  aceitar o Concílio Vaticano II e, em particular, a reforma litúgica a possibilidade de utilizar o Missal Romano de Pio V. Nossas dioceses estão empenhadas na participação ativa e frutuosa das comunidades no mistério de Cristo celebrado. Há ainda um longo caminho a percorrer para que a ação litúrgica seja, de fato, fonte e cume de toda a vida da Igreja. 

 

–O senhor acredita que é uma riqueza poder utlizar este Missal de forma extraordinária?

 

–Dom Joviano: Creio que o Missal de Paulo VI responde melhor às necessidades do nosso tempo. É o que podemos ler no proêmio da Sacrosanctum Concilium: "O sagrado Concílio, propondo-se fomentar sempre mais a vida cristã entre os fiéis, adaptar melhor às exigências do nosso tempo aquelas instituições que são suscetíveis de mudanças, favorecer tudo o que pode contribuir à união dos que crêem em Cristo, e revigorar tudo o que contribui para chamar a todos ao seio da Igreja, julga ser sua obrigação ocupar-se de modo particular também da reforma e do incremento da Liturgia."

 

–E a questão do latim, também seria uma forma de ter acesso à riqueza e beleza da Igreja alentar nos fiéis, seminaristas e sacerdotes o contato com o latim?

 

–Dom Joviano: Sim. Os liturgistas estudam os textos latinos. Seria bom que também os seminaristas e pastores tivessem a mesma oportunidade. É uma questão de cultura, poder saborear os textos nas fontes. Mas não podemos subestimar a língua materna, na qual aprendemos a balbuciar palavras tão ricas de sentido e sentimento como Pai, Paizinho, Mãe, Misericórdia, Bondade, Obrigado e tantas outras. Em nosso idioma, cantamos, rezamos e expressamos melhor nossos sentimentos. 

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